A ciência da BR-319

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André Ricardo Costa

Doutor em Administração e professor da Ufam


Amazônia é, de todo o acervo vernacular humano, um dos vocábulos mais imediatamente associados à ciência. Contudo, pouco se prestigia das contribuições da Ciências Sociais Aplicadas. Quando se trata de soluções concretas para os problemas sociais, patinamos. Prova disso são os vergonhosos números de IDH em que os municípios amazonenses persistem há décadas. As decisões são derivadas tão somente do processo político. Se os políticos acertarem, comemoramos. Se errarem, azar o nosso.


Dentre os maiores problemas humanos da Amazônia impossível não citar o isolamento. Ou melhor isolamentos. Aqui, cada indivíduo, comunidade, cidade, padece da falta de contato e trocas com o vizinho mais próximo, quanto mais com outras regiões e países. Em consequência, da falta de cooperação tão fundamental para o bem-estar de qualquer população. Apesar de cada isolamento demandar solução peculiar, sem dúvida a mais gritante é a que acomete a metrópole. Ninguém consegue responder por que Manaus é por terra ligada ao estrangeiro, mas não à capital do próprio país. Senso que rodovia já existe, pendente apenas de pavimentação. De onde vem a decisão para que seja assim?


Recomendo pesquisa recente, Trabalho de Conclusão de Curso em Engenharia Civil escrito por Bruna Rosario, orientado pelo prof. Augusto Rocha, com quem costumo irmanar nestas páginas. Em rápida googlada é possível encontrar a pesquisa, primorosa nos instrumentais de Ciências Sociais Aplicadas, em particular pelo método de Análise Custo-Benefício. A resposta: O DNIT, instituição responsável pela construção e manutenção das rodovias federais brasileiras, sempre foi carente de dados e métodos adequados para justificar a BR-319.


O mesmo ocorre para diversos outros atores que se põem a avaliar o tema. É o caso, por exemplo, da Rede Brasileira de Ecologia de Transportes. Em resumo: A conclusão de que eventuais benefícios da pavimentação da BR-319 são insuficientes para compensar prejuízos ambientais são devidos à subestimação dos benefícios econômicos. Com destaque a um documento de 2019, em que o DNIT estima um crescimento de apenas 3% do tráfego após a plena recuperação da rodovia.


Não precisa ser cientista para identificar o grave equívoco. Talvez essa taxa de crescimento seja adequada para recuperação de rodovias em outros contextos brasileiros, onde quase sempre há outra opção de transporte terrestre ou a atividade represada em consequência do isolamento não é tão alarmante.


Para o Amazonas, contudo, a realidade é totalmente diversa, e este é um dos principais métodos da engenheira Bruna. Ela compreende como o Amazonas tem sobrevivido neste período de total isolamento, às custas de despesas logísticas desnecessárias, sobretudo com armazenamento. O cenário com plena BR-319 consiste num contrafactual em que as empresas locais teriam a opção de encomendar seus insumos em montantes menores, com possibilidade de pronta reposição, e menor necessidade de reter dinheiro para financiar o capital de giro das empresas. Ao longo de uma vida útil de 30 anos, a plena recuperação da BR-319 propiciaria R$ 42,8 bilhões em benefícios econômicos.


Para os impactos ambientais, não há ciência que não encontre solução diante de R$ 42,8 bilhões em ganhos econômicos. E, novamente, não precisa ser cientista. A BR-174 dá a referência. Se não for possível repetir a reserva, que se crie robusta estrutura de monitoramento da relação homem-bioma. Permitiria fiscalização e seria fonte de novas informações, tão preciosas para a ciência.