A Contabilidade do Zelo

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André Ricardo Costa

Doutor em Administração e professor da Ufam



Lucro é a maneira que a sociedade encontrou de te agradecer por um bom serviço, disse Akio Morita, fundador da Sony. Acrescento: Lucro é a recompensa que a sociedade dá a quem dela lhe consumiu o mínimo de recursos para lhe devolver em produtos os mais próximos possíveis de seus interesses e necessidades. Quando o gestor acerta, recebe a recompensa em forma de aumento de patrimônio, que lhe permite aumentar a oferta do produto bem aceito pela sociedade. Quando não acerta, a sociedade o pune com prejuízo, até que o gestor perca a capacidade de consumir os recursos.


Ajusto a frase de Morita para refletir sobre a capacidade de o lucro expressar o bom uso dos recursos do planeta. Cada recurso é um ativo sob as mãos de um gestor que vai lhe extrair o máximo de benefícios, o que inclui o prolongamento de sua vida útil. Consumos excessivos, irresponsáveis, predatórios, inarredavelmente se traduzem em prejuízos, de modo que o lucro leva a uma constante busca por eficiência que no final das contas leva à sustentabilidade.


Exemplos de predação consequente de busca de lucro a curto prazo são expressões de miopia dos gestores, ou inabilidade do governo em organizar os direitos de propriedade considerando as diferentes gerações e interessados. Isso solucionado, o receio de ter que indenizar por contingências sociais ou ambientais é embutido no risco do negócio e se torna foco das ações do gestor em sua conduta de gerar valor aos acionistas.


Essa solução somente se observa no âmbito das empresas, onde as receitas são confrontáveis com as despesas. Contudo, como bem vemos em Itaipu, os canais de Veneza, a barreira de Afsluitdijk na Holanda, e tantos outros projetos e atividades, o governo sempre terá algum papel além de apenas organizar os direitos de propriedade.


As primeiras formas de estruturas estatais remetem a antigos projetos de irrigação e drenagem entre os sumérios. São projetos cujas receitas são difíceis de serem apropriadas por grupos específicos, espalham-se por muitas gerações e pela coletividade. Esse é o fundamento teórico das decisões políticas que respondem à pergunta de Ayn Rand: “Quem é John Galt?”


Preocupada com isso, nas últimas décadas a Contabilidade tem se dedicado a codificar a linguagem que narra as histórias da manipulação de recursos por agentes governamentais. Em termos de governança o governo sofre ao máximo problema do minoritário. Em termos de Contabilidade, o governo perde a conexão entre receitas e despesas.


Trata-se de uma lacuna ainda distante de ser preenchida. Entre os canais de tentativas há o conceito da capilaridade, levando os custos à razão de cada beneficiário pelos serviços. Também o conceito de custo de oportunidade, em que se evidencia à sociedade as informações sobre as diferentes alternativas de usos dos ativos, e a decisão seguida pelo gestor. Esse conceito é particularmente importante para ativos sem origem em transações formais.


Enquanto se define a solução, o que se quer alcançar não pode ser ignorado. A sociedade precisa ter acesso à lista exaustiva dos componentes patrimoniais dos entes governamentais. Inventário completo. Até dos expostos a conflitos de reconhecimento formal de propriedade. Há que se superar a limitação no mero acompanhamento dos fluxos orçamentários. O suor extraído da população pelos governantes precisa ser recompensado com o zelo pelo patrimônio público. E os agentes governamentais que se destacarem nisso precisam receber suas devidas recompensas pelo bom serviço.