Amazônia Base-Zero

Imprimir email

André Ricardo Costa

Doutor em Administração pela USP e professor da Ufam



Nós amazônidas somos privi­legiados pela especial combinação de elementos da natureza –ar (e céu), água, solo (e subsolo), fauna e flora –que está à nossa disposição. Contudo, eventos recentes chocam quanto nossas falhas em lidar com esses elementos. É o ar que nos faltou durante a pandemia, e hoje está tomado por fumaças na flora em chamas. É a água que nos falta nos rios. O solo não pavimentado que nos isola do resto do país. Con­sequências de nossas falhas, mas onde exatamente temos falhado?


Não me cabe dizer as falhas exatas. Sugiro uma perspectiva que nos distancie delas, quais elas sejam e onde estejam. É pensar do zero. Se agora aqui desem­barcássemos como os primeiros habitantes da Amazônia, com o conhecimento e instrumentos dis­poníveis neste Anno Domini de 2023, quais atitudes tomaríamos para assegurar nosso bem viver? Como e para que dominaríamos os elementos?


Essa abordagem é inspirada em prática comum nas grandes empresas, o “Orçamento Base-Ze­ro”, pela qual periodicamente se empreende intensa discussão so­bre os objetivos da empresa, do zero, para não repetir as falhas pre­téritas. Impedindo perpetuação de falhas, garante-se a continuidade da empresa por gerações. A sus­tentabilidade de que tanto se fala.


Na melhor prática, ao convidar os colaboradores para repensar todos os alvos de despesa e fontes de receita, as empresas põem à prova os paradigmas e reavaliam as estratégias. O resultado é o al­cance, dentro do que é possível no momento, do uso ótimo dos recur­sos sob administração diante das necessidades dos envolvidos no negócio, interna e externamente. Eis a geração de valor, que pouco se fala.


Para a Amazônia, questiona­ríamos assim: As nossas águas, para que servem? Saneamento? Transporte? Energia? Irrigação? Alimentação? Lazer? Como usá-la ao máximo com esses fins, ou ou­tros, beneficiando a atual popula­ção e as vindouras? E o nosso solo (e subsolo)? Habitação? Cultivo? Transporte? Mineração? E a nossa fauna e flora? Alimentação? Medi­camentos? Cosméticos? Energia? Construção? Contemplação? Da gestão desses elementos é possível produzirmos excedentes a serem trocados por algo que nos falte e esteja sobrando em outros am­bientes? Qualquer “não” dito em resposta precisa ser justificado aos cujos sofrimentos inscrevem al­guns dos menores IDHs do Brasil.


Feitas as perguntas, parte-se para buscar, com sinceridade e afinco, as melhores práticas de desenvolvimento sustentável, no Brasil e no mundo. No passado e no presente. Uma dica: Até certo tempo, o solo era explorado irra­cionalmente, seus nutrientes se exauriam rapidamente e a produ­ção agrícola despencava, matan­do de fome imensas populações de países hoje ditos de primeiro mundo. O que foi feito para re­duzir a quase zero a ocorrência desse fenômeno? Essa busca pode nos inspirar a encontrar a solução para usufruir da floresta sem que tenhamos que forçar a população a inalar essa fumaça horrorosa.


A perspectiva Amazônia Base­-Zero nos levará a soluções con­cretas, a organizar discussões, incrementar modelos. Algumas referências podem estar entre nós, como o modelo da Zona Franca, que propicia desenvolvimento, inovação, ascensão social e preser­vação do bioma mais importante do planeta. Contudo, autoelogios não nos levarão a corrigir os ru­mos. Os indicadores sociais e os eventos recentes passam na cara as nossas falhas em lidar com os elementos da natureza. Tenha cer­teza, são todas falhas de gestão.