Apagão de professores no Brasil: um negacionismo educacional
Eduardo Martins
Doutor em Linguística pela UnB e professor da UFAM
Você conhece essa máxima? “Todo filme que aborda a temática de desastres naturais começa com cientistas sendo ignorados”. É o caso dos filmes hollywoodianos “O dia depois de amanhã” e “Não olhe para cima”, por exemplo. Não é que cientistas sejam pessoas especializadas em adivinhar o futuro, como uma premonição paranormal, ao contrário, essas pessoas pesquisam em dados concretos e factuais capazes de indicar problemas muito prováveis de se tornarem reais, o que não pode ser confundido com opiniões pessoais deles. É a chamada Ciência Baseada em Evidências.
Esse é o caso dos diversos índices e parâmetros quantitativos que apontam a ameaça de faltarem professores nas escolas brasileiras na próxima década. Várias publicações oficiais já mencionam esse apagão docente antes de 2040 como, por exemplo, o “Plano Emergencial para Enfrentar a Carência de Professores no Ensino Médio: Chamada Nacional” (MEC, 2005); “Escassez de professores no ensino médio: propostas estruturais e emergenciais” (CEB/CNE, 2007); “Procuram-se mestres: Ensino básico da rede pública tem déficit de mais de 250 mil professores qualificados” (Revista Ciência Hoje, SBPC, 2008); “Por que tão poucos querem ser professor” (Revista Nova Escola, 2010); “Censo Escolar 2013: Perfil da docência no ensino médio regular” (INEP, 2015); “Carência de Professores na educação básica: risco de apagão?” (INEP, 2023), entre outros.
As crescentes evidências de um colapso profissional nas escolas não deixam dúvidas. De acordo com o Censo da Educação Superior, publicado em 03 de outubro de 2024 pelo INEP/MEC, próximo de 80% dos jovens entre 18 e 24 anos não estão na faculdade. Aliás, mais de 20% desses sequer terminou o Ensino Médio. É impressionante notar que das 24,6 milhões de vagas disponíveis em Instituições de Ensino Superior (IES), apenas 4,7 milhões foram efetivamente ocupadas. Dos concluintes do Ensino Médio em 2022, apenas 27% ingressaram em IES no ano seguinte, em 2023. E ainda, 89,7% das matrículas de Ensino à Distância (EaD) estão em municípios onde há oferta de cursos presenciais.
Se esses números já impressionam por mostrarem uma forte tendência de desvalorização pela vivência universitária, ao observarem os cursos de formação de professores a situação fica ainda pior. Na rede privada, verifica-se que 90% das matrículas em Licenciaturas foram em cursos EaD. Em média, metade de todos os candidatos a docentes nunca se forma. E ainda, alguns concluintes não têm interesse em assumir uma sala de aula. Assim, formamos poucos professores e, ainda pior, uma parcela desses se nega a atuar na sua área de formação. Esse é um modelo insustentável já a curto prazo. Esse é o roteiro de um colapso educacional previsto para antes de 2040.
Diante das evidências, não se pode ser negacionista: uma crise professores da educação básica se aproxima e ela afetará a todas as áreas produtivas. Acaso a indústria pode sobreviver sem pesquisa, inovação e desenvolvimento de novas tecnologias? Acaso alguma área pode renunciar a trabalhadores mais bem qualificados? É chocante que esse tema não esteja sendo denunciado em todos os fóruns econômicos; que não seja debatido a exaustão pela mídia nacional; que não se torne um parâmetro de qualidade do governo.
Se o Brasil pretende aderir à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido como o grupo de países desenvolvidos, a Educação precisa ser baseada em evidências, isto é, a Educação precisa ser transformada em prioridade.
Observem que todos os índices brasileiros estão abaixo da média dos países da OCDE. Se já sabemos o roteiro da desgraça, por que não agimos para evitá-lo? Acaso somos negacionistas educacionais?
Crédito imagem: Giulia Squilace_Unsplash