Bem-vindos, campeões nacionais
André Ricardo Costa
Doutor em Administração e professor da Ufam
Os eventos de privatizações de 2016 a 2022 mudaram aspectos relevantes da economia amazonense em duas estruturas: a refinaria e a distribuição de energia elétrica. Nelas, a gestão e propriedade retornaram a mãos amazonenses.
Na origem de ambas há traços auspiciosos. Na energia elétrica fomos prontos usuários da tecnologia de Edison. Na refinaria lembramos da ousadia de Isaac Sabbá, naquele outono entre os ciclos da Borracha e ZFM. Contudo, vários atabalhoamentos que dominaram a política brasileira ao longo do século XX nos surrupiaram o domínio dessas estruturas. A privatizações deram esperança de corrigir esse erro.
Por novas incertezas nacionais, as esperanças titubeiam. A refinaria tem que lidar com as distorções derivadas da elevada tributação e a forte presença estatal remanescente no refino nacional. A elétrica sofreu com problemas históricos da distribuição de energia, como as perdas operacionais, sobreveio a hecatombe da pandemia, que afetou peculiarmente o setor, e ainda a microgeração distribuída. São desafios com baixíssima probabilidade de serem transpostos pelo melhor dos gestores. Para completar, as querelas dos medidores evidenciaram que a gestão local em nada deveu aos atabalhoamentos nacionais.
Os adquirentes eram antigos fornecedores da então estatal. A transação parecia fazer total sentido em contexto de verticalização, na sequência combustíveis-termoelétricas-distribuição. Deles vieram a solução para a falta de interligação com o sistema nacional de distribuição. Enquanto não vinha o “linhão de Tucuruí”, era daqueles fornecedores que vinha boa parte da energia do Amazonas.
Contudo, eles não eram os únicos fornecedores da distribuidora. As próprias estatais de geração, Eletrobras e Eletronorte, transacionavam há décadas a hoje conhecida Amazonas Energia. Assim perfez-se na atual situação financeira da distribuidora, a dívida de R$ 6 bilhões. Provavelmente a maior já registrada por uma empresa do norte brasileiro. Só em juros consome anualmente R$ 1,5 bilhões do fluxo de caixa. Insustentável.
Seria possível um ajuste para preservar os ativos sob mãos amazonenses? Talvez. O fato é que a orientação da economia brasileira retornou ao dirigismo estatal e sua política de campeãs nacionais. Governo escolhendo empresários tocar grandes empreendimentos com potenciais ganhos de escala financiados por subsídios governamentais. Agora editou medida provisória que suaviza o pagamento das dívidas da distribuidora amazonense de energia, ao mesmo tempo em que foi alvo de proposta de compra da empresa energia dos irmãos Batista, submetida à Aneel.
Os irmãos Batista são dos maiores ungidos da política de campeãs nacionais. Simboliza suas envergaduras econômicas e políticas o tamanho da principal empresa, a JBS, valendo hoje R$ 71 bilhões em capitalização de mercado. Iniciaram em prosperidade estratosférica na pecuária goiana até dominarem o mercado global de proteínas. Tiveram problemas de governança que, como há tempos avisam autores como Michael Porter, Andrei Shleifer e Robert Vishy, são inerentes às políticas de campeãs nacionais.
Contudo, na realidade de escolha feita, resta-nos monitorar para que o setor energético amazonense usufrua de qualquer benefício possível. No caso dos Batista, o porte conquistado lhes permite fazer muita coisa boa.
Podem evitar o clichê de entrincheiramento e enfrentamento com a população. Podem Posicionar o Amazonas nas fronteiras globais da inovação tecnológica e organizacional em energia elétrica. Descentralização. Usinas fotovoltaicas flutuantes – as terrestres competem com a floresta. A hidrocinética dos rios e igarapés. Energia, equipamentos e Internet podem fazer do Amazonas hub global de data centers. Acelera o uso do gás natural. Ajusta o contrato da TAG.
Se for essa a disposição dos irmãos Batista, que sejam bem-vindos os campeões nacionais!