Bioeconomia e lições de dois botânicos
André Ricardo Costa
Doutor em Administração pela USP e professor da Ufam
Ninguém ouse duvidar da Amazônia! Ou melhor, quem ousa? Talvez somente quem acredita precisar ir a outro planeta procurar as soluções de que precisamos para a vida na Terra. De quaisquer exemplos que se puder imaginar da nossa biodiversidade será possível apontar centenas de valiosas potenciais aplicações em alimentação, fármacos, cosméticos, combustíveis, plásticos etc. e reticências.
Logo, por que a Bioeconomia não mostra ainda o caminho de contribuir substancialmente com nosso PIB e IDH? Certa ONG divulga orgulhosamente em seu website os números da Bioeconomia em 2050. Serão tantos empregos e tantos reais em PIB. Números que carecem de escala pelo que ainda desconhecemos o tamanho da população que teremos em 2050 e até que ponto nossa moeda terá preservado o poder de compra. Principalmente, de quais exatas atividades viriam os produtos a adicionar valor.
Por se apegar à essência da vida, e novamente recordo Georgescu-Roegen e sua lição de pensar na ação humana como parte da biosfera, é natural associar a Bioeconomia às atividades humanas primárias, ligadas à agricultura. Daí seguem dois exemplos antigos de pesquisas com posterior impacto econômico.
Primeiro, o botânico norte-americano George Washington Carvey, nascido escravo poucos anos antes da vitória da liberdade, viu o seu sul natal à míngua com a terra exaurida pela guerra e pela monocultura algodoeira. Dedicou-se em simultâneo ao ensino, pesquisa e, sobretudo na extensão, para promover o rodízio de culturas. Propôs o amendoim como “prioritário” para superar o marasmo algodoeiro, até como cultura fixadora do nitrogênio no solo. Disseminou as ideias por meio de boletins, um deles com mais de cem propostas de aplicações ao amendoim. Também registrou patentes de tintas e cosméticos. Ah, sim... O amendoim não é nativo dos EUA.
O outro caso vêm à mente pelo tanto que se pede de “Certificação de Origem” para os produtos amazônicos. O uso de maior sucesso dessa ferramenta é vinho champagne, chamado assim pela combinação peculiar de método e insumos somente possíveis na região de Champagne, na França. Método criado e insumos percebidos pelo trabalho árduo e solitário do monge beneditino Pierre Pérignon, a quem nunca fora dito qual devia ou não ser o “produto prioritário”. Não teve que lidar com nenhum questionamento sobre se a uva era fruto nativo da França. E quando se viu bebendo estrelas, não teria antevisto nenhum entrave ambiental a restringir o cultivo das uvas e produção do vinho nas cidades ao redor. Todas hoje com os IDHs entre os mais elevados do mundo.
Na Amazônia há milhares de Carveys e Pérignons, e milhares de itens com potenciais superiores a amendoins e uvas. Contudo, nunca a Amazônia vai ficar rica e faturar um milhão com a Bioeconomia enquanto estivermos tão em falta com a organização dos fatores de produção. É o elementar para traduzir ciência em prosperidade ao povo. Repare no mapa do Sistema do Cadastro Ambiental Rural o enorme vazio que é o Amazonas. Quem é o responsável por isso? Se a Constituição nos garante o direito ao desenvolvimento, que o Ministério Público aja a respeito. E que o Congresso aja adaptando a legislação ambiental e fundiária.
E que ajam rápido, pois passa o tempo e as soluções para alimentação, fármacos, cosméticos, combustíveis, plásticos etc. podem vir sim deste planeta Terra, mas de fora da Amazônia.
Crédito imagem: Ramesh Tadani