BR-319: Pele em jogo e litigância de má-fé

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André Ricardo Reis Costa

Doutor em Administração e professor da Ufam


Nos últimos meses o debate em torno da BR-319 tem se elevado em termos de clareza das atuações e argumentos. O tempo da inação foi superado quando se esclareceu que o potencial benefício da rodovia é maior que inicialmente se supunha e, sobretudo, quando o grupo de trabalho do governo federal enumerou as estruturas a serem estabelecidas ao longo da rodovia para salvaguardar seu valor social e ambiental. Não obstante, a pavimentação do tal trecho do meio foi impedida por recente decisão do judiciário federal, atendendo a pedido de uma ONG.


Parafraseio do debate recente fala do prof. José Alberto da Costa Machado, dos maiores amazonistas: “o ativismo judicial contrário à BR-319 precisa ser tratado como litigância de má-fé”. O mestre proferiu a sentença em meio a relatos de vivência pessoal, verdades empíricas, ao longo da BR-319, e citações de dados e lógicas publicamente verificáveis, verdades ontológicas, e o que se pode querer de melhor para a Amazônia, em suas perspectivas física e humanas, verdades morais.


A cumprir a sugestão do mestre, sugiro o princípio “pele em jogo”, enunciado pelo matemático libanês Nassim Nicholas Taleb. O autor enuncia o princípio como forte condutor de boa governança, e reconhecimento de má governança, quando poderosos tomam decisões que afetam outrem sem participar das consequências.


No caso, a ONG e a magistratura atuam em total desalinhamento de interesses pessoais com os que dependem da rodovia ou podem se beneficiar de sua pavimentação. A situação atual é posta por quem vive no conforto das cidades e da renda estável, formada pelo que se extrai da riqueza gerada por outros, e riscos enfrentados por outros. Não sofrem com o que a falta de pavimentação da BR-319 impede em termos de geração de PIB, IDH, emprego, renda e serviços básicos.


O argumento vitorioso da ONG, que a pavimentação da BR-319 pode agravar os problemas climáticos globais, é de precária relação causa-efeito, principalmente porque o pior que pode ocorrer em termos ambientais derivado da pavimentação tem impacto menor que a perda de um musgo perto das emissões de dióxido de carbono pelos países de maior atividade econômica, que não dispensam a queima de carvão.


O fator ambiental, em verdade, precisa ser visto pelo Judiciário em favor da rodovia. Como as estruturas estatais de combate aos crimes ambientais se estabelecerão na região sem a pavimentação da BR-319? Como equipamentos e servidores da Polícia Federal, Ibama, ICMbio, e o batalhão ambiental da polícia estadual se imiscuirão no profundo sul amazônico sem as condições de acesso?


Esta perspectiva não prevalecendo, os responsáveis pelo cenário atual precisam pagar pelo ônus de seu ativismo. Se acreditam mesmo que o melhor cenário é a BR-319 sem asfalto, que compensem os diretamente envolvidos pelas privações infligidas.


São 320 mil amazonenses nos municípios marginais à BR-319, com PIB per capita anual de R$ 14 mil e IDH em 0,55. Que a ONG e a magistratura paguem anualmente R$ 9,7 bilhões a estes amazônidas, sendo R$ 1,7 bilhões para as prefeituras proverem serviços e R$ 25 mil depositados na conta bancária de cada cidadão. Sem contar os R$ 42,8 bilhões perdidos pelo PIM. Sem contar Roraima e os demais municípios amazonenses. Que ponham a pele em jogo.