Da onda de calor, uma limonada
André Ricardo Costa
Doutor em Administração pela USP e professor da Ufam
Tem no Netflix, documentário do Arnold Schwarzenegger. Quando governador da Califórnia, pôs-se a contribuir com a atual agenda de energia renovável, com destaque à solar. Pelas tantas, a frase “tem tanto sol na Califórnia, e não estamos usando”. Assim iniciou o prodígio do chamado Estado Dourado quanto à geração fotovoltaica. Sem, obviamente, renunciar aos pitorescos poços de petróleo urbanos de Los Angeles.
Com maior razão dizemos “no Amazonas há um sol para cada habitante”. E agora sentimos que algo levou esses milhões de sóis a uma magnitude absurda, grandeza inacreditável. Perfazem, com as fumaças e descida dos rios, um apocalipse de desmerecer a expressão “inferno verde”, pois até o verde faz falta. Agoniamo-nos pelo calor e pela questão de qual deve ser o motivo de tudo isso.
Mudanças climáticas, na medida em que causadas pelo homem, precisam ser contidas. Na medida em que são uma realidade imposta, precisam ser geridas, por tecnologia e ações políticas para dar refúgio contra o calor, e usá-lo como fonte de energia. Do limão, fazer limonada. Nosso governador tem sido pleno nesse objetivo? Penso que não. Ao menos não a nível Schwarzenegger.
Essa onda de calor coincide com momento peculiar na evolução da energia solar no Brasil. Como em quase todos os assuntos, atrapalhamo-nos na regulação, nas políticas públicas baseadas em bons princípios. Começamos em 2012, com a Resolução 482, da ANEEL, disseminando a energia solar entre as residências. Pela dispensa de custear o sistema de distribuição, usado por todos, houve subsídio ao consumo de energia das classes mais abastadas. São delas as residências cujos telhados dão maior superfície para os painéis. Transferência de recursos dos mais pobres para os mais ricos. Alocação ineficiente.
Situação insustentável, foi ajustada em 2022 pela lei n. 14.300, levando usuários da energia solar a contribuírem com o custeio do sistema de distribuição. Em consequência, o mercado criado com aquele subsídio começa a estagnar, das fábricas de painéis aos instaladores. Até no mercado financeiro, fundo de investimento que tinha surfado a onda do subsídio comprando ações de fabricantes de painéis, agora posiciona-se contra, comprando opções de venda. Essas empresas terão prejuízos? Nova alocação ineficiente.
Que fazer com os ativos que foram formados para sustentar o mercado de energia solar? Não é inteligente deixá-los ao relento. Novo ajuste pode vir dos governantes concedendo espaços públicos a quem queira neles instalar usinas de geração fotovoltaicas, fazendo-as alcançar os menos favorecidos que nunca tiveram telhado suficiente, ou dinheiro mesmo, para adquirir e manter os painéis.
Sugestão: A Ponte Rio Negro e as águas em suas cercanias. Do exemplo da Califórnia recordo de painéis fotovoltaicos sobre as águas de um reservatório. Além de aproveitar a superfície, reduz perda de água por evaporação.
Com a palavra, os engenheiros: Uma usina fotovoltaica da Ponte do Rio Negro aumentaria em quantos Megawatts a oferta ao sistema? Quantas residências abasteceriam, com seus ares-condicionados? Quantos empregos gerariam com sua construção e manutenção, e com o barateamento dos processos produtivos? Quantos parques públicos com jardins verdes verticais e irrigação refrigerada conseguiria manter? Com a palavra, os biólogos: Quantos botos deixariam de morrer por encontrar refúgio contra a água em quase ebulição?
Imagine fotos da ponte tomada pelos painéis. Após cenas da pandemia, fumaças, secas, violências... Teríamos uma nova imagem para o Amazonas. Estamos precisando.
Crédito: Unsplash