Então é Reforma

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André Ricardo Costa

Doutor em Administração pela USP e professor da Ufam



Eis que, em período natali­no, foi-nos aprovada a Reforma Tributária. À parte a comemo­ração, como amazonenses, pela preservação da Zona Franca de Manaus, como brasileiros precisa­mos corrigir uma falha que recor­rentemente se aponta quando do aniversário do Salvador: durante a reforma as discussões se afasta­ram do principal e foram guiadas por aspectos circunstanciais.


A essência do fenômeno tribu­tário é seu poderoso mecanismo de exclusão social. Os tributos apartam de cada setor os con­sumidores e fornecedores mais frágeis. É a tal cunha tributária, geralmente acompanhada da irmã, a cunha regulatória. Pelo conceito de cunha tributária é possível identificar, dada a ne­cessidade de financiar o aparato governamental, os segmentos so­ciais escolhidos para serem ex­cluídos. Soa como uma punição, e de fato o é.


A escolha brasileira é punir a agregação de valor em territó­rio pátrio. Exclui da produção e consumo brasileiros dispostos a transacionar produtos mais elabo­rados. Um dos méritos da reforma é esclarecer o peso dos tributos sobre o consumo. Aqueles valo­res de impostos nas notas fiscais serão mais fidedignos. Porém, a desproporcionalidade da nossa tributação sobre consumo já era notória. O que falta é escolher um outro alguém a quem impor a cunha, deslocando o peso da tributação sobre o consumo para outro segmento.


Para as importações a ZFM aplica bem esse conceito, que exis­te porque não seria justo somar ao nosso isolamento geográfico uma cunha tributária sobre importa­ções. Inviabilizaria nosso contato com o restante do mundo. Em contraste, as regiões litorâneas são privilegiadas para o comércio exterior. A elas caberiam a maior cunha. Raciocínio semelhante é aplicável às operações interesta­duais.


Noutro sentido, não vejo de­monstrado a contento a desone­ração das exportações, como não pudéssemos fugir da alcunha de país exportador de commodities. Tributar exportações certamente seria fatal para cadeias produtivas imaturas, como a nascente bioe­conomia amazonense. Também era imatura a soja da década de 1990, mas não da década de 2020. Um caminho para aumentarmos a agregação de valor de nossos produtos seria privar, por míni­ma margem, as siderúrgicas e os porcos asiáticos do nosso ferro e da nossa soja, e as refinarias nor­te-americanas do nosso petróleo, compensando com menor tribu­tação nas operacionais nacionais. Obviamente a colheita de Sorriso­-MT não teria a mesma carga da próxima ao porto de Paranaguá, ou de Santos.


A cunha se expressa de ma­neiras diferentes para cada setor. Tanto que a coerção tributária brasileira costuma preferir os bens inelásticos, aqueles que as pessoas têm menos condições de abrir mão, como telefonia, energia elétrica e combustíveis. Mesmo entre os inelásticos, há uns que pesam menos nos orçamentos domésticos, a exemplo do PIX, cuja tributação teria zero cunha regulatória e máxima eficiência arrecadatória. Os bancos já o tari­fam e isso não é motivo para que alguém deixe de usá-lo. Tributar movimentações financeiras não deveria ser um “assunto espan­talho”. Sobretudo num país em que se tributa o trabalho.


Da cunha derivam-se muitos conceitos interessantes. Desde os tributos sobre propriedade afasta­rem os mais pobres dos imóveis centrais até o imposto de renda desestimular o empreendedoris­mo. Quanto às alíquotas, há a possibilidade de aumentar a ar­recadação com alíquotas menores, trocando margem por volume, assunto essencial nas empresas ao precificar suas mercadorias, como também é essencial a relação entre receitas e despesas, tão esqueci­da nas finanças governamentais brasileiras. Que esses e outros aspectos essenciais sejam abun­dantes nas discussões tributárias ao longo dos próximos natais.