Quem sustenta a sustentabilidade

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André Ricardo Reis Costa

Doutor em Administração e professor da USP



A falência das utopias deriva mais de erros nos prognósticos que nos diagnósticos. As engenharias sociais do século XX falharam pelo excesso de centralização, e distanciamento das necessidades dinâmicas e infinitas dos indivíduos, e do seu monitoramento, capacidade de fiscalização. Cada ser humano é mais diverso que a Via Láctea, e as bilhões de Vias Lácteas particulares se perceberam distantes e indefesas às grandes estruturas burocráticas. No extremo, perderam a capacidade de financiá-las.


Contudo, desde 2008 observamos realidades onde as estruturas centralizadoras parecem exibir tentadores sucessos. China e Cingapura são exemplos. O economista turco Daron Acemoglu, em seus primeiros comentários naquela rede social de microblogs de tantas polêmicas, ofereceu a seguinte provocação (paráfrase): “será se o aumento estrondoso do poder computacional daria às estruturas centralizadoras a capacidade preditiva que lhes faltou ao longo do século XX para viabilizar as utopias?”.


A utopia que está a falir ao nosso olhar e respirar, também nos dados, é uma Amazônia preservada e fonte de prosperidade aos seus habitantes. Diria que é nosso direito, mas de realização tão distante quanto qualquer utopia. O que será que está dando errado? O que falta ao Brasil neste ano de 2024 para que assegure esse direito aos amazônidas?


Arrisco dizer que as nossas estruturas institucionais escolheram a centralização típica das utopias do século XX sem procurar a governança e tecnologia disponíveis neste século XXI e comprovadamente exitosas. Há sem-número de restrições a qualquer atividade econômica em quase toda nossa extensão territorial. Inventar regra é muito fácil. Difícil é prover as condições de cumprimento e prever as exatas consequências.


Proteger toda essa floresta custa muito dinheiro. E de onde se espera que ele venha, se as atividades econômicas são proibidas? Quem sustenta a sustentabilidade? A geração de riqueza pode ocorrer em qualquer ambiente exceto no interior da Amazônia. Em outros cantos se tem a plenitude das decisões de consumo, e migalhas são permitidas às nossas instituições e populações.


Os vetores das nossas instituições devem ser redirecionados para descentralizar o usufruto do valor da floresta em pé, apropriado pelo valor em uso, em contraposição ao valor de troca. Cada metro quadrado deve se dispor aos amazônidas. Imagine-se ver os garimpeiros e desmatadores pelos seus incentivos intrínsecos, suas humanidades. Eles percebessem os meios de usufruir do valor da floresta em pé, ponderariam seus crimes por outra ótica na relação custo-benefício. A população estaria a prosperar, gerando riquezas para impostos o governo arrecadar, uma robusta polícia ambiental financiar e as fumaças não estariam a nos agoniar.


Ao mesmo tempo, um vetor de centralização deve ser constituído a partir da provocação de Acemoglu. O poder computacional deve ser fonte de informações sobre a maior biodiversidade do mundo, publicizando os mecanismos e oportunidades de investimentos e produção, e denunciar os comportamentos destrutivos e oportunistas.


Os autores de sabotagens e distrações de nossas iniciativas de desenvolvimento contam com essa assimetria informacional que faz a população local se sentir distante dos meios de produção. Chegam mesmo a forjar estratégias de governança para tomarem para si o controle dos recursos amazônidas. Mesmo as fumaças sendo consequências pérfidas de seus estrategemas, dobram a aposta na desfaçatez e propalam discurso puritano: “Essa destruição toda é porque ainda não recebemos tudo que queremos. Deem-nos mais, deem-nos tudo, pois somente nós temos condições de realizar a utopia amazônica.”