Um caso de visão e as relações informais como fonte de inovação
André Ricardo Costa
Doutor em Administração e professor da Ufam
É lugar-comum a reclamação contra a burocracia e morosidade nas organizações não empresariais. Ao mesmo tempo, todo mundo conhece servidores públicos e empreendedores sociais que trabalham na máxima dose de esforço e sagacidade. Fazem uso das respectivas estruturas para realizar o extraordinário. Melhor coisa é testemunhar isso.
Ocorreu na última quinta-feira, na Ufam. Numa aula do programa pioneiro em pesquisas para a Biotecnologia na Amazônia, a pós-graduação em rede PPG-Bionorte, que reúne instituições de toda a Amazônia para disseminar, atualizar e criar conhecimentos em biotecnologia.
Um professor daqueles que pesquisam e ensinam apenas e tão somente por puro amor à educação e ao país tivera um particular com líderes de uma das empresas com maior orçamento para P&D no mundo. Uma das pioneiras na vacina contra o Covid-19. Dedica anualmente à ciência o que a nossa Lei de Informática conseguiu em vinte anos. Daquela breve conversa informal nasceu a ideia: Que tal você apresentar sua estratégia de inovação a pesquisadores da Amazônia?
Proposta prontamente aceita. Por meses prepararam cuidadosamente a apresentação. Encontraram lá na empresa um brasileiro a ser ativo na conversa. Pontualmente da 10h às 11:30h, os primeiros slides esclareceram a estratégia de inovação direcionada ao mercado consumidor, organizando as áreas prioritárias conforme as especialidades médicas. Concluíram com as estratégias diante dos fornecedores. Fornecedores de conhecimento. Maior parte startups dedicadas a soluções de descobertas, síntese, controle e escalabilidade de insumos farmacêuticos ligados às áreas médicas prioritárias.
Um exemplo de destaque é a Botanical Solution, startup chilena especialista em cultura de tecidos vegetais. Líder na descoberta e fornecimento de um fungicida biológico à base de Quillaja saponaria Molina, uma planta nativa chilena. O fungicida já com marca registrada e sucesso no mercado, a startup desenvolveu uma plataforma de inteligência artificial para acelerar as descobertas, e outros cinco ingredientes ativos já estão a caminho.
Outro exemplo é a parceria com um grupo de pesquisas da UFRJ, liderado pela engenheira química Leda Castilho, especialista no estudo do zika vírus e do coronavírus. Dominam o ciclo de obtenção de vacinas desde a ciência básica do estudo do DNA.
Os dois exemplos são simbólicos quanto aos caminhos a trilhar na parceria entre as instituições amazônidas, a começar pelo próprio PPG-Bionorte, e a multinacional. Uma estrada é conhecer e trabalhar nossa fauna e flora direcionados a sintetizar os ingredientes ativos conforme as áreas prioritárias da empresa. Outro é mostrar à empresa as questões de saúde típicas da nossa região e convidá-la a solucionar novos mercados, ainda não previstos em suas áreas prioritárias.
O processo será efetivo se o PPG-Bionorte buscar uma triangulação. Num sentido, buscando o aprendizado com a startup chilena e replicar para a flora mais diversa do mundo o sucesso das plantas andinas. Em outro, preparar os pesquisadores locais mais bem posicionados nos estudos das doenças tropicais para o modus operandi da multinacional. Em supervisão, a multinacional cuidaria para que a expertise seja adequadamente absorvida pelas instituições locais.
A apresentação ainda teve o cuidado de orientar quanto à confidencialidade e clareza no respeito aos direitos de propriedade. Prova queeste caso não cumpre o lugar-comum de estrangeiros querendo se apropriar da Amazônia. Assim os lugares-comuns serão todos vencidos com a perseverança e sagacidade de jogadores que conhecem este campo e sabem que, por mais irregular que seja, dá caminhos para atender à torcida.