Um leão por dia na educação superior brasileira
Eduardo Martins
Doutor em Linguística pela UnB e professor da Ufam
Ao analisar qualquer um dos indicadores internacionais de qualidade, é unânime a constatação de que a educação superior brasileira precisa melhorar. A grande divergência é a maneira de fazer acontecer isso. Todos têm uma opinião e, de fato, ninguém tem a solução. Uns acreditam que as universidades precisam de mais investimentos. Outros afirmam que o problema reside na gestão dos recursos. Muitos concordam que o entrave é a desvalorização dos professores. E há ainda os convictos de que a questão ideológica é a fonte de todos os males. Assim, tem surgido no Brasil pessoas cujo “trabalho” é, supostamente, melhorar a educação destruindo-a; indivíduos que querem denunciar as mazelas universitárias aprofundando cada uma delas, coincidentemente colhendo frutos eleitorais pessoais no processo.
O método é bem conhecido: em posse de uma câmera, são feitas gravações sem autorização institucional e/ou dos estudantes, preferencialmente de um curso da área de humanas, o que sempre causa tumulto e confusão no local. Então, após as imagens serem editadas para reforçar especificamente o ponto de vista de quem grava, a filmagem é publicada na internet a fim de supostamente comprovar a ideia genérica de que todas as universidades públicas são de péssima qualidade. As descrições dos vídeos trazem termos como doutrinação, verdade escondida, militante e várias palavras terminadas em “-ismo”, mas o real fruto desse processo é a autopromoção desse suposto “herói corajoso”, capaz de oprimir qualquer pessoa que tente dialogar, e capaz de afugentar qualquer pessoa que escolha não entrar na contenda. Isto é, em seus termos ou o debatedor passa vergonha / é humilhado ou é taxado de fujão / covarde. O famoso “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”. O bicho nunca perde.
O resultado é a profecia que se auto realiza. Ao apresentar um vídeo dessa natureza, recebe-se o engajamento de uma parte da população brasileira, mesmo que tais indivíduos nunca sequer tenham frequentado uma instituição de ensino superior pública, e esses passam a proferir discursos raivosos contra a educação em geral. Assim, o número de visualizações e o efeito provocado comprovaria que o argumento dos vídeos está correto, motivando que outros vídeos sejam produzidos reiniciando todo o ciclo e ganhando mais seguidores.
O que fazer então? Primeiramente leia sobre as “Regras gerais sobre o uso de celular, gravações e filmagens de Professores em sala de aula”, disponível no site do Jusbrasil. Também recomendo a “Cartilha liberdade de cátedra, de ensino e de pensamento”, disponível no site do APP Sindicato. No momento da gravação indesejada, coloque próximo ao microfone da câmera (em volume considerável) uma música da Disney. Essa simples atitude fará desmonetizar o vídeo por direitos autorais. Por fim, procure segurança jurídica de sua instituição. Não cabe aos docentes providenciar suas condições de trabalho, pois esse é um dever institucional.
Observem que o maior problema aqui não é somente a violação do direito de imagem/voz, ou violação do direito autoral do professor, mas a deturpação da finalidade do Plano de Ensino. Uma aula com data e hora marcadas não pode forçosamente ser obrigada a virar produção de conteúdo para terceiros, à revelia da vontade dos docentes e discentes, implicando um vício insanável ao ambiente acadêmico. O momento de sala depende de uma parceria entre educadores e educandos. Alguém que não queira aprender, não pode impedir o ensino de quem deseja adquirir conhecimentos. Basta lembrar que conhecimento não é somente memorizar conteúdos, envolve também habilidades socioemocionais como empatia, respeito ao diferente, confiança do outro, tolerância, resolução de conflitos, abertura ao contraditório, autoconsciência, autogestão, tomada de decisão responsável, e ainda diversas facetas do amadurecimento das relações interpessoais.
Para o médico e psicólogo francês Henri Wallon, a afetividade é um componente fundamental do desenvolvimento humano, que influencia o processo de construção do conhecimento e está intimamente ligada à cognição. Ou seja, se os estudantes e os professores se encontrarem numa aula apenas para combater, não poderá haver desenvolvimento e aprendizado nessa relação.
Aliás metáforas de guerra são comuns quando militares e advogados falam sobre educação. A contrário sensu, por acaso você já viu algum docente criar algum projeto denominado “quartel sem partido” ou “justiça sem partido”. Creio que não. Na verdade, o termo “sem partido” significa que pessoas alheias ao ambiente querem uma ingerência legislativa sobre instituições que desconhecem, mas sobre as quais têm muitas opiniões. Você quer melhorar a educação? Ótimo! Forme-se professor e venha lutar conosco. Você quer mudar as forças armadas? Aliste-se e se torne general para fazer a diferença. Você quer mudar o judiciário? Passe num concurso e provoque as mudanças. Não são com vídeos de internet que práticas melhoram, apenas cria-se mais animosidade e contenda.
Crédito imagem: Isotck_adamkaz