Ambiguidades e sutilezas contra e a favor da Zona Franca de Manaus

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André Ricardo Costa

Doutor em Administração e professor da Ufam



Semana passada recebemos sinal preocupante no ambiente das narrativas quanto à Zona Franca de Manaus. Trata-se da manifestação do TCU, acórdão 1911/2024-PL, com nove determinações para que Suframa e MDIC ajustem o processo de concessão de incentivos e monitoramento dos projetos industriais.


Este acórdão conclui o processo 021.487/2023-5, a cereja num bolo de vários outros processos que evidenciam o ceticismo do TCU diante do modelo Zona Franca de Manaus, em sua essência e dimensões operacionais. Antes, por exemplo, aquele tribunal diligenciou os processos 028.469/2017-8, com enfoque à fiscalização da entrada de insumos, o 037.972/2019-7, sobre as contrapartidas de investimentos em P&D, e o 042.406/2020-0, sobre a estratégia geral do TCU para fiscalizar a ZFM.


O acórdão mais recente é especial por se basear num dos pontos mais sutis das narrativas contrárias à ZFM: A Demonstração de Gastos Tributários – DGT, publicado pela Receita Federal como estimativa do quanto a União deixa de arrecadar por conceder incentivos tributários. Por esta estimativa, a Receita localiza, no orçamento de 2024, a Zona Franca de Manaus como sétima maior renúncia de receitas, em volume de R$ 32 bilhões. O Simples Nacional seria distante primeiro lugar, com R$ 125 bilhões. Nas outras renúncias há temas como o agronegócio, isenções de IRPF, imunidades e isenções a ONGs, e desenvolvimento regional.


A Receita faz isso anualmente em atendimento ao art. 165 §6º da Constituição Federal, que manda demonstrar, nas leis orçamentárias, o impacto das exceções tributárias. É uma conta de faz-de-conta. Faz de conta que o Brasil não tivesse a ZFM, quanto ele arrecadaria a mais? A própria RFB na nota técnica explicativa do DGT reconhece os problemas metodológicos. Envergonhado, o Tesouro Nacional não se apropria dessa informação, que é publicada nos sítios da Receita.


A verdade é que sem a ZFM o Brasil arrecadaria menos. De 2022 a julho de 2024 o Amazonas arrecadou R$ 59 bilhões em tributos federais. Maior arrecadação do Norte e quarta maior do Norte-Nordeste. Em termos per capita é a décima no ranking nacional, e maior do Norte-Nordeste. Juntando com as arrecadações estaduais e municipais na composição do PIB, os tributos sobre produção no Amazonas têm carga de 18%, para o Brasil essa proporção é de 15%.


Nada no texto constitucional obriga que o efeito seja reconhecido como perda. Há que se demonstrar ao TCU, RFB e STN que a ZFM cria forte base arrecadatória pela troca de margem por volume, concretizando o previsto na Curva de Laffer. O próprio governo do Amazonas precisa reconhecer isso, posto que faz um simulacro de DGT na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Como se a arrecadação de ICMS fosse maior sem a ZFM. Não, não é piada.


Mas o melhor do TCU é que ele legitima os esforços pela melhoria do ambiente de negócios da ZFM, respaldando os locais ante o MDIC. As demoras nas resoluções dos PPBs são inaceitáveis, engessam o Brasil inteiro. A ZFM não é setorial, é regional. O Decreto-Lei 288 nos dá direito a produzir tudo, exceto poucos produtos expressamente mencionados, como armas e munições. Há itens como petroquímicos e painéis solares cuja ausência na prateleira de PPBs só se explica pela atuação de forças ocultas. Forças estas que podem ser vencidas caso tenhamos a esperteza de usar a nosso favor as sutilezas e ambiguidades na narrativa do TCU.


Crédito imagem: Adobe Stock_Rmcarvalhobsb