China: o chão de fábrica do mundo
Augusto Cesar Barreto Rocha
Doutor em Engenharia de Transportes e professor da Ufam
Peter S. Goodman, em seu livro “Como o mundo ficou sem tudo” (“How the world ran out everything”, ainda sem tradução, publicado este ano, com uma detida análise sobre as cadeias de suprimento globais) relata como a China se tornou uma espécie de chão de fábrica do mundo. Seu texto é revelador ao analisar a construção dos fluxos globais de capital, de produção e de logística, entre o Ocidente e a Ásia, a partir da perspectiva histórica e prática dos fluxos de valor, com detida investigação histórica e contemporânea em cada elo desta complexa estrutura até os mercados, a partir do que aconteceu durante a pandemia.
Quando se traça um paralelo com as antigas e novas rotas da seda, analisadas por Peter Frankopan, fica evidente uma construção de longo prazo da China em relação aos fluxos de produtos e de geopolítica. O entendimento destas dimensões ganha uma relevância em qualquer dos mercados em que exista competição ou relação com a China. Não podemos ficar desatentos para estes movimentos globais. Na construção de valor com o pouco capital que juntamos como sociedade, podemos fazer a transição para o serviço ou seremos “rebaixados” para a agricultura. Neste contexto, o Brasil não pode renunciar à sua indústria.
O melhor é que mantenhamos a nossa competitividade mineral e agrícola, somando e ampliando a indústria de transformação, assumindo um papel nos serviços, que ainda está timidamente posicionado, com idas e vindas, em especial no setor da construção civil. Em um ambiente nacional, onde ressurge o interesse pela indústria, com uma nova política industrial, é importante robustecer as ações do setor industrial, afinal “não é só uma blusinha”. Precisamos despertar e enfrentar a invasão das mega plataformas tecnológicas que fazem sua atuação sem tributos, usando pequenos vácuos legais, lobbys, dumping e subfaturamento.
A indústria nacional e as instituições que lidam com sua competitividade precisam começar a se inspirar nas ações que tiraram mais de 400 milhões de chineses da pobreza para fazer o mesmo por aqui. Os EUA, desde o governo Clinton, quando acomodou a China na Organização Mundial do Comércio, moveu para lá grande parte das fontes de fornecimento de seu comércio. Por exemplo, o Wall Mart, com seu banco de dados de fornecedores com mais de seis mil fábricas, tinha, em 2003, cerca de 80% delas na China.
Segundo Peter Goodman a loucura desta concentração foi revelada na pandemia. Por aqui, começamos agora, timidamente, a despertar desta condição, com a invasão das plataformas digitais em todos os setores, ao ver nosso varejo de eletrônicos, livros e roupas sucumbirem à pressão digital das plataformas estrangeiras, que possuem tipicamente nomes norte-americanos, como Amazon, Google, Microsoft, Netflix ou Spotify, seguida mais recentemente das plataformas chinesas, como o AliExpress, Shein ou TikTok.
Crédito imagem: Adobe Stock_Maksym Yemelyanov